1. Definição e Classificação
A Constituição não institui tributos, apenas os prevê e modela, permitindo que sejam instituídos pelas entidades federativas mediante lei. A competência tributária, portanto, consiste na faculdade constitucionalmente assegurada às pessoas jurídicas de direito público interno para instituir tributos por meio de lei, a fim de garantir fonte própria de receita que lhes permita gozar de efetiva autonomia, ainda que tenham de dividir parte da arrecadação com outras entidades federativas.
A atribuição constitucional de competência acaba se revelando, também, verdadeira limitação do poder de tributar. Com efeito, ao deferir a uma pessoa política competência privativa para tributar determinada materialidade, o Constituinte, de fato, cria limitação dúplice: uma, para a própria entidade agraciada, que, no exercício de sua competência, não poderá extrapolar os limites indicados no modelo constitucional do tributo; outra, para os demais entes, vedado que se lhes revela invadir o campo de incidência tributária reservado à primeira.
O exercício da competência, ao seu turno, também se encontra cercado de condicionantes – processo legislativo adequado, isonomia, irretroatividade etc. – impostas no texto constitucional e em normas que organizam e regulam a atividade legislativa de estados, DF e municípios. Daí a disposição complementar do art. 6º, caput, do CTN estabelecer, em caráter meramente didático ou de ênfase, que a atribuição constitucional de competência tributária compreende a competência legislativa plena, ressalvadas as limitações contidas na Constituição Federal, nas Constituições dos Estados e nas leis orgânicas dos Municípios, e observado o disposto nesta Lei.
Já foi estudado que o Sistema Tributário Brasileiro é rígido, como decorrência da rigidez de nossa Constituição. Decorrência disso é a indelegabilidade da competência tributária, explicitada pela norma do art. 7º, caput, do CTN. Ora, se a competência pudesse ser delegada por seu titular a outra entidade, ainda que mediante lei própria, ruiria a discriminação constitucional de rendas e os objetivos do sistema, estabelecidos pelo Constituinte, não seriam alcançados.
Note-se que nem mesmo o não exercício da competência tributária por longo período – como é o caso da União Federal, em relação ao imposto sobre grandes fortunas, previsto no art. 153, inciso VII, da CF – suprime da entidade que a detenha a faculdade e a exclusividade para instituir o tributo correlato. É dizer, a competência tributária não é de exercício obrigatório, mas o seu não exercício nada tem de renúncia ao poder de tributar, tampouco permite que outra entidade aposse-se dele, como expressamente dispõe o comando do art. 8º do CTN. Em outros termos, além de indelegável, facultativa e irrenunciável, a competência também é incaducável, pois pode ser exercida a qualquer tempo pela entidade que a detenha.
Classifica-se a competência em:
a) privativa – União, arts. 148, 149, caput, e 153; Estados, art. 155; Municípios, arts. 149-A e 156; DF, arts. 149-A, 155 e 156;
b) residual – União, arts. 154, I, e 195, § 4º;
c) extraordinária – União, art. 154, II; e
d) comum – União, Estados, DF e Municípios, em relação a taxas e contribuições de melhoria, tributos contraprestacionais que são devidos ao ente estatal que houver desempenhado a específica atividade por eles remunerada.
Nos territórios, que não são protagonistas na estrutura federativa e não têm capacidade legislativa, a União poderá instituir, além de seus próprios tributos, também os estaduais. Caso determinado território não seja repartido em Municípios, a União exercerá a competência legislativa plena, pois nele poderá também exigir tributos municipais. Essa é a inteligência do comando constitucional do art. 147, em sua parte inicial.
2. Capacidade Tributária Ativa. Delegação
Quando se afirma que a competência tributária é indelegável, quer-se dizer que a instituição do tributo há de se dar única e exclusivamente por meio de lei proveniente da Casa Legislativa da entidade (União, Estado, DF ou município) que a Constituição expressamente tenha indicado como titular de tal faculdade.
Contudo, não se pode afirmar que o ente titular da competência tributária será, sempre e necessariamente, sujeito ativo da obrigação tributária originada de fatos geradores previstos na lei de tributação que houver editado.
Sujeito ativo da obrigação tributária, segundo dispõe o CTN, em seu art. 119, é a pessoa jurídica de direito público titular da competência para exigir o seu cumprimento. A capacidade tributária ativa revela-se, assim, a capacidade para figurar no polo ativo de obrigações tributárias, ou seja, a capacidade para ser credor de prestações tributárias.
Nada impede que um ente institua tributo de sua competência e delegue a outra pessoa jurídica de direito público a capacidade para arrecadá-lo, cobrá-lo e fiscalizá-lo, executando as leis pertinentes e expedindo normas complementares a elas. Eis a delegação de capacidade tributária ativa, expressamente aceita pelo Código Tributário Nacional, no art. 7º, caput, do seguinte teor:
Art. 7º A competência tributária é indelegável, salvo atribuição das funções de arrecadar ou fiscalizar tributos ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, conferida por uma pessoa jurídica de direito público a outra (…)
Repise-se ser a competência tributária indelegável apenas no plano da atividade legislativa relacionada à instituição de tributos e definição de seus aspectos nucleares (fato gerador, base de cálculo, alíquota, contribuinte, responsabilidade, isenções etc.). No tocante aos atos administrativos inerentes à atividade fiscal do Estado, como a realização do lançamento, a inscrição em dívida ativa, a propositura da execução fiscal e a edição de norma complementar, pode haver delegação que atribua a outra entidade, que não a instituidora do tributo, a capacidade para praticá-los.
Não por outra razão, estipulou o CTN, ainda nas disposições do art. 7º, que a atribuição compreende as garantias e os privilégios processuais que competem à pessoa jurídica de direito público que a conferir (§ 1º).
Ilustrativo é o caso, v.g., das contribuições de interesse de categorias profissionais, que são instituídas por lei da União Federal, titular da competência respectiva (CF, art. 149, caput), mas que são arrecadadas e cobradas pelos conselhos de classe (Crea, CRM etc.), autarquias dotadas, no caso, de capacidade tributária ativa.
Não raro, a delegação de capacidade tributária ativa se dá em favor de entidades que disporão do produto arrecadado para a execução de seus objetivos institucionais. É o que ocorre no exemplo acima oferecido, das contribuições exigidas pelos conselhos profissionais. Em situações tais, estará presente a parafiscalidade, expressão doutrinária designada exatamente para individualizar o fenômeno decorrente da indicação, por lei da entidade tributante, de outra pessoa jurídica como sujeito ativo da obrigação, atribuindo a esta a disponibilidade do capital arrecadado para a consecução de seus fins institucionais.
À evidência, a estudada delegação há de cessar, sempre que o legislador da entidade titular da competência tributária entenda de revogá-la, o que poderá fazer a qualquer tempo, sem que haja necessidade de anuência prévia da entidade delegatária (CTN, art. 7º, § 2º). De fato, nada impede que o titular da competência tributária reassuma a capacidade ativa relacionada ao tributo que instituiu, ainda que tenha de entregar o correspondente produto arrecadado ao antigo delegatário. Foi o que ocorreu quando editada a Lei nº 11.457/2007, que criou a Secretaria da Receita Federal do Brasil (“Super-Receita”) e por meio da qual a União Federal chamou para si a capacidade tributária ativa atinente às contribuições previdenciária e do salário-educação, anteriormente em poder do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).
Sobre a discussão envolvendo a possibilidade de delegação de capacidade tributária ativa a pessoas de direito privado (e a pessoas físicas), discorreremos mais a frente, quando for abordada especificamente a disposição do art. 119 do CTN.
Por ora, é de se observar que a permissão estatuída no § 3º do art. 7º do CTN, relacionada ao cometimento do encargo ou da função de arrecadar tributos a pessoa jurídica de direito privado, pode ser exercida independentemente de lei, por não se tratar de delegação de competência.
Refere-se o citado dispositivo à mera função de caixa, que costuma ser atribuída aos bancos e casas lotéricas por questões de segurança e por disporem tais instituições de agências atomizadas em todo o território da entidade tributante, facilitando a vida do contribuinte no momento em que busca pagar o tributo. Além disso, a medida desonera o Poder Público de custos relacionados à manutenção de tesourarias, ainda que tenha de remunerar o prestador do serviço bancário/lotérico.
Muito bom !!