Imposto
Previsto genericamente no art. 145, inciso I, da CF, o imposto é conceituado no CTN como sendo o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte (art. 16).
Como se vê, a situação que enseja a obrigação de recolher o imposto aos cofres estatais traduz um “fato do indivíduo”, isto é, uma atividade da qual não participa o Estado. Note-se que por ser informado pelo princípio da capacidade contributiva (CF, art. 145, § 1º), o imposto deverá sempre merecer fato gerador com significado econômico, daí se extraindo a conhecida expressão doutrinária, fato-signo presuntivo de riqueza. Fatos geradores típicos de impostos são a propriedade de bens, a aquisição de renda, a produção e a circulação de riquezas etc.
Por imposição constitucional, o imposto, em regra, não pode ter receita vinculada a órgão, fundo ou despesa, consoante a previsão contida no art. 167, inciso IV, da Lei Maior. A arrecadação proveniente dos impostos forma uma das principais fontes do caixa geral da entidade tributante, tendo o constituinte se preocupado em evitar que o governante fosse tolhido pelo legislador em sua apreciação discricionária quanto aos gastos preferenciais exigidos pelo interesse público. O Supremo Tribunal Federal já declarou inúmeras vezes a inconstitucionalidade de leis que, em desobediência ao comando do art. 167, inciso IV, da Constituição, vinculam receitas de impostos (v. AdinMC 2.108, Marco Aurélio).
De todo modo, na Constituição encontram-se diversas exceções à vedação de vinculação de receita de impostos a órgão, fundo e despesa, como as estabelecidas no próprio inciso IV do art. 167 – que traça a regra excepcionada –, as quais abrangem:
a) a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, como determinado no art. 198, § 2º;
b) a destinação de recursos para manutenção e desenvolvimento do ensino, de acordo com a disposição do art. 212;
c) a destinação de recursos para a realização de atividades da administração tributária, exigida também pela norma do art. 37, inciso XXII; e
d) a destinação de recursos para a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º.
Da norma do § 4º do art. 167 extrai-se, também, autorização excepcional a que Estados, Distrito Federal e Municípios vinculem o produto de arrecadação de seus impostos, ou mesmo de receitas auferidas a partir de repartição tributária (arts. 157, 158 e 159, I, a e b e II), para a prestação de garantia ou contragarantia à União e para pagamento de débitos para com esta.
Embora seja vedada, como regra constitucional, a vinculação legal de receita de imposto a órgão, fundo ou despesa, o Supremo Tribunal Federal admite que a lei tributária imponha ao chefe do Executivo a obrigação de prestar contas periódicas quanto à efetiva aplicação dos recursos arrecadados, mediante publicação dos correlatos dados na imprensa oficial, até mesmo em obediência à publicidade e à moralidade administrativas (RE nº 585.535, Ellen Gracie).
A seguir, abordam-se algumas classificações doutrinárias dos impostos:
1. Impostos reais e pessoais
Reais são os impostos instituídos e cobrados com atenção aos aspectos objetivos do bem tributado e em relação aos quais são irrelevantes as condições pessoais do contribuinte. Imagine-se o caso de duas pessoas residentes no mesmo Estado, uma proprietária de veículo automotor com características idênticas ao de outra (mesma marca, modelo e ano). Ainda que a primeira seja titular de outros tantos veículos e possua um vasto patrimônio, ao passo que a outra não tenha mais nada além do referido carro, o imposto a ser pago por ambas, em razão de tal propriedade, terá o mesmo valor, pois o IPVA é um imposto real, ou seja, não leva em conta a situação pessoal do obrigado e sim o aspecto objetivo do bem tributado.
Pessoais, por seu turno, são os impostos instituídos e cobrados com observância das peculiaridades (aspectos pessoais) de cada contribuinte. Típico exemplo de imposto pessoal é o imposto de renda (pessoa física), cujo valor é apurado projetando-se a situação pessoal do contribuinte no cálculo respectivo. Assim, duas pessoas que atuem na mesma empresa, exercendo a mesma função e recebendo o mesmo salário anual (sem outra fonte de renda), não necessariamente terão recolhido, ao final do período de apuração e após a declaração anual de bens e rendimentos (ajuste), o mesmo valor a título de IR. Basta, para distinguir a tributação, que uma tenha tido mais gastos necessários (despesas com instrução de filhos, planos de saúde) ou outras deduções que a outra.
A Constituição reconheceu a distinção oferecida, quando, no art. 145, § 1º, estabeleceu, como medida de justiça, que sempre que possível os impostos terão caráter pessoal (“princípio da personalização do imposto”). Ainda assim, tem relevância a crítica formulada por parte da doutrina, no sentido de que a obrigação tributária, vinculando o sujeito passivo, é sempre pessoal, donde não haveria de se cogitar de “imposto real”.
2. Impostos diretos e indiretos
Impostos diretos são aqueles cujo ônus recai na pessoa do contribuinte, que o assume efetivamente. Quer-se dizer com isso que não é da essência do imposto direto a transferência do correlato encargo financeiro.
Os impostos sobre a renda e sobre a propriedade, diretos que são, geram ônus econômico que há de ser suportado pelos próprios contribuintes. É verdade que estes, mediante avença particular, podem transferir tal encargo a terceiros, como ocorre em contratos de locação imobiliária com cláusula de imputação ao inquilino (locatário) da responsabilidade por todos os ônus relativos ao imóvel (incluídos os decorrentes de tributação). Essa circunstância fática, todavia, não qualifica o IPTU como um imposto indireto, pois não é de sua essência jurídica a transferência do encargo respectivo a terceiros não contribuintes.
Impostos indiretos, ao seu turno, são aqueles em que o contribuinte – chamado, aqui, de “contribuinte de direito” – tem a faculdade de repassar ou transferir o ônus econômico da tributação a um terceiro, que passa, com a medida, a ser chamado de “contribuinte de fato”, exatamente porque suporta, ao final, a carga fiscal.
Pelo que se percebe, é da natureza de tais impostos a transferência do ônus econômico da tributação pelo contribuinte (contribuinte de direito) a um terceiro (contribuinte de fato), estranho ao vínculo obrigacional tributário.
Impostos indiretos são tipicamente o IPI e o ICMS (além do ISS, quando a base de cálculo seja o preço do serviço), cujo ônus econômico se incorpora ao preço da coisa, sendo, portanto, suportados, no fim, pelo consumidor (“contribuinte de fato”). Denomina-se repercussão (ou translação) o fenômeno pelo qual o contribuinte de direito repassa ou transfere ao contribuinte de fato o ônus econômico do imposto indireto.
Parte da doutrina tributária não vê com bons olhos a distinção apontada (impostos diretos e indiretos), por ser derivada de um fenômeno econômico (transferência do encargo) extrajurídico. De todo modo, vem sendo uniformizado o pensamento de que indiretos são os impostos que incidem sobre uma operação negocial envolvendo uma dualidade de sujeitos, sendo o contribuinte a pessoa que promove o impulso do ciclo econômico da mercadoria, bem ou serviço, a quem é facultada a transferência do encargo, incorporado ao preço da coisa, para o outro partícipe do mesmo fato gerador.
A importância da distinção entre impostos diretos e indiretos surge quando o contribuinte pretende repetir o indébito tributário. É que aquele que repassou a terceiro o encargo econômico do tributo não pode, em regra e sob pena de locupletamento indevido, pretender receber do Estado a devolução da quantia tributária indevidamente recolhida aos cofres públicos. Por isso, em relação aos tributos indiretos vigora a regra do art. 166 do CTN, a ser estudada ao seu tempo (“Art. 166. A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la”).
3. Impostos fiscais e extrafiscais
Fiscais são os impostos detentores de finalidade precipuamente arrecadatória, ou seja, são instituídos no intuito principal de produzir receita para o abastecimento dos cofres públicos.
Impostos extrafiscais, embora também produzam receita pública, têm finalidade básica distinta da mera arrecadação. São, via de regra, instrumentos de intervenção estatal na economia.
Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios tributam basicamente para arrecadar, daí se poder dizer que os respectivos impostos são, em regra, fiscais – com algumas exceções, como o IPTU progressivo utilizado pelos Municípios para desestimular a manutenção de propriedades que não cumpram sua função social (CF, arts. 156, § 1º, e 182, § 4º, inciso II).
A União Federal, por exercer a coordenação econômica no plano nacional, além de impostos fiscais, vale-se dos extrafiscais com frequência, para melhor desempenhar sua missão constitucional. O imposto de importação (II), por exemplo, é um importante instrumento de proteção da indústria nacional, onerando a entrada de bens estrangeiros no território nacional de forma que o produto interno não sofra com a concorrência de países que produzem bens a custo mais baixo que o nosso. O imposto sobre produtos industrializados (IPI) presta-se, em certos casos, a desestimular o consumo de produtos nocivos à saúde, como cigarros e bebidas alcoólicas. Já o imposto de exportação (IE) pode ser utilizado para frear a saída de bens que, por questões conjunturais, venham a se fazer necessários no cenário nacional.
O critério a distinguir impostos fiscais e extrafiscais não é o da exclusividade de finalidade, mas o da preponderância. É que mesmo impostos com finalidade básica ligada à arrecadação não deixam de ter outros objetivos, como é o caso do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza (IR), instrumento arrecadatório que também tem por finalidade a redistribuição de riqueza com vistas à minoração das desigualdades sociais. A recíproca também é verdadeira, como exemplifica o IPI incidente sobre os cigarros, que, embora extrafiscal, produz arrecadação de inegável relevância para os cofres públicos.
4. Impostos federais, estaduais e municipais
A Constituição repartiu, de forma expressa, os impostos entre as entidades federativas ensejando a classificação estabelecida com base na competência tributária (impostos federais, estaduais e municipais).
Federais são os impostos de competência da União Federal, previstos nos arts. 153 e 154 da Constituição de 1988.
São impostos federais, portanto, o imposto sobre importação de produtos estrangeiros (II); o imposto sobre exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados (IE); o imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza (IR); o imposto sobre produtos industrializados (IPI); o imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários (IOF); o imposto sobre propriedade territorial rural (ITR); e o imposto sobre grandes fortunas (IGF), todos esses previstos nos incisos I a VII do art. 153 da Lei Maior, sendo o último (IGF) o único até o momento não instituído.
São também federais o imposto residual e o imposto extraordinário (“imposto da guerra”), previstos no art. 154, incisos I e II, da Constituição. O primeiro deriva da competência residual que o Constituinte reservou à União Federal em relação a impostos, devendo ser instituído por lei complementar, não cumulativo e não possuir fato gerador ou base de cálculo próprios dos impostos expressamente atribuídos aos demais entes. Já o imposto extraordinário só poderá ser instituído em caso de guerra externa ou sua iminência, livrando-se, todavia, das amarras da bitributação e competência ordinária – é dizer, poderá inicidir sobre materialidades já tributadas por outros entes federativos –, uma vez que, quando em jogo a segurança nacional, a capacidade arrecadatória da União deve ser a mais abrangente possível.
Estaduais são os impostos atribuídos pela norma do art. 155 aos Estados e ao Distrito Federal, quais sejam, o imposto sobre transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos (ITD ou ITCMD); o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior (ICMS); e o imposto sobre propriedade de veículos automotores (IPVA).
Municipais são os impostos da competência dos Municípios, previstos no art. 156 da CF, a saber: imposto sobre propriedade predial e territorial urbana (IPTU); imposto sobre transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição (ITBI); e imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS), à exceção dos de comunicação e transporte interestadual e intermunicipal, tributados, como já visto, pelos Estados.
Vindo a ser criado um Território Federal, cuja natureza, como se sabe, será autárquica, à União Federal competirá, nele, os impostos estaduais e, cumulativamente, os municipais, caso não seja dividido em municípios (CF, art. 147, primeira parte). Por seu turno, o Distrito Federal, cuja divisão em municípios é vedada pela Constituição (art. 32, caput), assume competência para instituir tanto impostos estaduais quanto municipais (CF, arts. 155, caput, e 147, in fine).
Muito obrigada.