1. Quem pode ser chamado a responder pelos débitos da empresa
- Nas sociedades em que os sócios tenham responsabilidade limitada ( g., as sociedades por quota de responsabilidade limitada e as sociedades anônimas), em princípio, somente aquele que exerce a direção ou a gerência da empresa, praticando atos típicos de administração, pode vir a ser chamado a responder pelo crédito tributário a que se obrigou, originariamente, a pessoa jurídica.
- O CTN alude, no particular, a diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado (art. 135, inciso III). Como são administradores de bens alheios, sempre que procederem com má-fé, praticando atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, serão responsabilizados pessoal e exclusivamente pelos créditos tributários daí decorrentes (responsabilidade por substituição).
2. Em que casos estará configurada a situação ensejadora da responsabilidade
- O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente (Súmula 430 STJ).
- Mesmo a disposição genérica do art. 50 do Código Civil só admite a responsabilidade patrimonial de administradores ou sócios da pessoa jurídica por obrigações assumidas por esta em caso de comprovado abuso da personalidade jurídica da empresa, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial.
- Como caracterizar a ação com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto (CTN, art. 135, III), para fins de imputação de responsabilidade tributária a administradores de sociedades?
- Em princípio, nada obsta a que se observem, por analogia, as prescrições do Código Civil, que, em seu art. 1.015, admite a responsabilização pessoal do administrador por débito contraído em nome da sociedade em face de terceiros em casos de excesso de poderes, caracterizado este quando: a) a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade; ou b) a limitação de poderes for conhecida do terceiro; ou c) a operação realizada se revelar estranha ao objeto social da sociedade.
- Outro caso típico de infração à lei, a ensejar a responsabilidade tributária pessoal do administrador da sociedade, é a distribuição de lucros ilícitos ou fictícios, por ele promovida sem que os sócios conhecessem – ou tivessem como conhecer – a ilegitimidade de tal distribuição (Código Civil, art. 1.009).
- Em suma, sempre que ficar provado que o administrador agiu sabendo – ou devendo saber – que sua conduta estava em desacordo com a vontade da maioria dos sócios, poderá ser ele pessoalmente responsabilizado, no plano tributário, em razão de excesso de poderes ou infração às disposições dos atos constitutivos da empresa (em casos tais, o Código Civil, no art. 1.013, § 2º, estabelece a responsabilidade do administrador, perante a sociedade, por perdas e danos).
- De todo modo, para os fins do disposto no art. 135, inciso III, do CTN, a dissolução irregular da sociedade, que simplesmente deixa de operar, sem a quitação dos tributos que oneraram suas atividades, gera a responsabilidade do gerente ou diretor pelas dívidas tributárias da empresa.
Quando o gerente abandona a sociedade – sem honrar-lhe o débito fiscal – o fato ilícito que o torna responsável não é o atraso de pagamento, mas a dissolução irregular da pessoa jurídica (REsp 101597, Min. Humberto Gomes de Barros).
- Aplica-se a regra da responsabilidade do administrador em razão da dissolução irregular da sociedade mesmo aos executivos fiscais de dívida ativa não-tributária, pois a LEF, em seu art. 4º, §2º, estipula que à dívida ativa da Fazenda Pública, de qualquer natureza, aplicam-se as normas relativas à responsabilidade prevista na legislação tributária, civil e comercial.
É obrigação dos gestores das empresas manter atualizados os respectivos cadastros, incluindo os atos relativos à mudança de endereço dos estabelecimentos e, especialmente, referentes à dissolução da sociedade. A regularidade desses registros é exigida para que se demonstre que a sociedade dissolveu-se de forma regular, em obediência aos ritos e formalidades previstas nos arts. 1.033 à 1.038 e arts. 1.102 a 1.112, todos do Código Civil de 2002 – onde é prevista a liquidação da sociedade com o pagamento dos credores em sua ordem de preferência – ou na forma da Lei n. 11.101/2005, no caso de falência. A desobediência a tais ritos caracteriza infração à lei. Não há como compreender que o mesmo fato jurídico “dissolução irregular” seja considerado ilícito suficiente ao redirecionamento da execução fiscal de débito tributário e não o seja para a execução fiscal de débito não-tributário. “Ubi eadem ratio ibi eadem legis dispositio”. O suporte dado pelo art. 135, III, do CTN, no âmbito tributário é dado pelo art. 10, do Decreto n. 3.078/19 e art. 158, da Lei n. 6.404/78 – LSA no âmbito não-tributário, não havendo, em nenhum dos casos, a exigência de dolo. (REsp 1.371.128 – Repetitivo, 1ª Seção, Min. Mauro Campbell Marques, DJe 17/09/2014)
3. Como se apura a dissolução irregular da sociedade
- Indícios de dissolução irregular de uma sociedade costumam ser evidenciados nos próprios autos da execução fiscal, como no caso em que o oficial de justiça certifica não ter podido realizar a diligência de citação em razão de a empresa não estar mais localizada no seu endereço declarado e de não possuir bens.
Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente (Súmula 435 STJ).
- A simples devolução da carta citatória, pelos correios, não enseja a presunção de dissolução irregular da sociedade, já que a informação lançada pelo carteiro não ostenta o atributo da “fé pública”.
- Diante da inviabilidade de se realizar a citação por via postal, deve ser extraído mandado, para que o analista judiciário executante de mandados – oficial de justiça – diligencie no endereço da empresa executada e certifique, se for o caso, os indícios da extinção irregular da sociedade.
Não se pode considerar que a carta citatória devolvida pelos correios seja indício suficiente para se presumir o encerramento irregular da sociedade. Não possui o funcionário da referida empresa a fé pública necessária para admitir a devolução da correspondência como indício de encerramento das atividades da empresa (Resp 1017588, Min. Humberto Martins).
4. Na sucessão de administradores, qual deles deve ser chamado a responder pelo débito da empresa
- O STJ vinha entendendo que o sócio administrador que se retira da sociedade antes de sua dissolução irregular não podia vir a ser responsabilizado por débitos tributários da empresa.
- Além disso, mesmo que tivesse levado a empresa à dissolução irregular, ao administrador só poderia ser imputada responsabilidade tributária relativa a débito vencido em sua gestão.
O pedido de redirecionamento da execução fiscal, quando fundado na dissolução irregular da sociedade executada, pressupõe a permanência de determinado sócio na administração da empresa no momento da ocorrência dessa dissolução, que é, afinal, o fato que desencadeia a responsabilidade pessoal do administrador. Ainda, embora seja necessário demonstrar quem ocupava o posto de gerente no momento da dissolução, é necessário, antes, que aquele responsável pela dissolução tenha sido também, simultaneamente, o detentor da gerência na oportunidade do vencimento do tributo. É que só se dirá responsável o sócio que, tendo poderes para tanto, não pagou o tributo (daí exigir-se seja demonstrada a detenção de gerência no momento do vencimento do débito) e que, ademais, conscientemente, optou pela irregular dissolução da sociedade (por isso, também exigível a prova da permanência no momento da dissolução irregular) (EDcl nos EDcl no AgRg no REsp 1.009.997/SC, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, DJe 4/5/2009).
- Essa orientação, entretanto, é descabida e prejudica legítimos interesses fazendários, especialmente nos casos em que há troca de administradores após a inadimplência e antes da dissolução irregular: nenhum deles poderia ser responsabilizado!
- Ora, o fato que desencadeia a responsabilidade do administrador não é o mero inadimplemento tributário, mas a dissolução irregular da sociedade, pouco importando saber quem era o gerente à época do fato gerador ou do vencimento da correspondente obrigação; o que interessa é aferir quem levou a empresa ao estado de dissolução irregular.
- A Segunda Turma do STJ desgarrou do entendimento inicialmente adotado pela corte – acertadamente, a nosso juízo.
(…) se o motivo da responsabilidade tributária é a infração à lei consubstanciada pela dissolução irregular da empresa (art. 135, III, do CTN), é irrelevante para efeito de redirecionamento da Execução Fiscal ao sócio-gerente ou ao administrador o fato de ele não integrar a sociedade quando do fato gerador do crédito tributário. (AgInt na PET no AREsp 741233, Min. Herman Benjamin, 2ª Turma, DJe 15/09/2016)
- A matéria será revisitada pelo STJ, para fins de nova uniformização, em virtude da decisão proferida pela Min. Assusete Magalhães no REsp 1.377019, afetando o correlato julgamento à 1ª Seção do aludido tribunal.
5. A gerência de fato para fins de responsabilidade
- Demonstrando-se cabalmente que o gerente (como tal indicado nos atos constitutivos da empresa) não praticava atos de gestão, de fato exercidos por outra pessoa, afasta-se a responsabilidade do primeiro.
Se para o Tribunal o executado, embora constasse como sócio-gerente no contrato social, provou que não praticou atos de gestão, atendido foi o disposto no art. 333, I, do CPC, cabendo ao exequente provar o contrário, não havendo que se falar em indevida inversão do ônus da prova (REsp 621154, Min. Eliana Calmon).
6. A Decretação de falência da sociedade devedora e a responsabilidade de seu administrador
- A falência não configura modo irregular de dissolução da sociedade, pois além de estar prevista em lei, consiste numa faculdade estabelecida em favor do comerciante impossibilitado de honrar os compromissos assumidos.
- Essa é a orientação do Superior Tribunal de Justiça (REsp 697115, Min. Eliana Calmon), que só admite ser o representante da empresa falida chamado a responder pelo débito tributário inadimplido pela última no caso de demonstração de atuação com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto.
7. O resguardo à meação do cônjuge do sócio-gerente responsabilizado
- Cônjuge do administrador responsabilizado deve ter protegida a sua meação.
A meação só responde pelo ato ilícito quando o credor, na execução fiscal, provar que o enriquecimento dele resultante aproveitou ao casal (Súmula 251, STJ).
- No entanto, os bens indivisíveis, de propriedade comum decorrente do regime da comunhão no casamento, podem ser penhorados e leiloados, reservando-se ao cônjuge meeiro, estranho à execução, a metade do preço alcançado (REsp 511663, Rel. Min. Barros Monteiro).
- O CPC/2015 dispôs no mesmo sentido, em seu art. 843 (Art. 843. Tratando-se de penhora de bem indivisível, o equivalente à quota-parte do coproprietário ou do cônjuge alheio à execução recairá sobre o produto da alienação do bem).
8. A impugnação da legitimidade passiva do administrador responsabilizado
- A legitimidade passiva do responsável tributário não pode ser, em regra, impugnada através de exceção de pré-executividade.
Havendo indícios de que a empresa encerrou irregularmente suas atividades, é possível redirecionar a execução ao sócio, a quem cabe provar o contrário em sede de embargos à execução, e não pela estreita via da exceção de pré-executividade (AGA 561854, Min. Teori Zavascki, 2004).
- Admite-se, excepcionalmente, a aludida exceção quando houver prova pré-constituída, ou seja, direito líquido e certo a afastar a legitimação passiva do pretenso responsável.
Consiste a pré-executividade na possibilidade de, sem embargos ou penhora, arguir-se na execução, por mera petição, as matérias de ordem pública ou as nulidades absolutas. A tolerância doutrinária, em se tratando de execução fiscal, esbarra na necessidade de se fazer prova de direito líquido e certo, exceto se a questão da ilegitimidade for líquida e certa, como abstraído no voto divergente na hipótese dos autos, tendo, pois, pertinência a exceção de pré-executividade (REsp 602249, Min. Eliana Calmon, 2004).
- A impugnação recursal dirigida à decisão que determina o redirecionamento do executivo fiscal ao administrador da sociedade não pode ser manejada por esta, que não dispõe de legitimidade extraordinária para buscar, em juízo, o reconhecimento de eventual direito de que seja titular outra pessoa (o sócio).
- De fato, especificamente sobre o tema, anotou o STJ, em julgamento submetido ao regime dos recursos repetitivos, que a pessoa jurídica não tem legitimidade para interpor recurso no interesse do sócio (REsp 1.347.627-SP, Rel. Min. Ari Pargendler, julgado em 9/10/2013).
Excelente professor. Obrigado
Bom estudo!
🙂
Olá Professor, tenho a 8a edição da obra Processo Judicial e Tributário e estou querendo voltar aos estudos. Essa obra foi muito afetada pelas alterações do cpc/15?
Obrigado
Olá, Vinicius. Afetada foi, afinal trata-se de um novo CPC! Mas você mesmo pode fazer a atualização, anotando as substituições de artigos e conferindo as mudanças de redação (e reflexos no processo tributário). É uma bela forma de estudar. Enquanto isso, vou atualizando a obra, ainda que vagarosamente. 🙂
Professor, bom dia! No caso de um recurso não ser conhecido em razão da aplicação do Recurso Repetitivo n. 1.347.627 que mencionou, quais as possíveis linhas de defesa? Obrigado!