Taxa
Previstas no art. 145, inciso II, da Constituição e no art. 77 do CTN, as taxas são tributos decorrentes do exercício do poder de polícia estatal ou da prestação de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição. São tributos vinculados e informados pelo princípio da retributividade, pois o respectivo fato gerador atrela-se a uma atividade estatal específica relativa ao contribuinte. Baseiam-se na comutatividade e são também classificados como tributos contraprestacionais.
A base de cálculo da taxa não pode ser própria de imposto, segundo o comando constitucional do art. 145, § 2º. Se a base de cálculo é a expressão econômica do fato gerador e sendo o fato gerador do imposto absolutamente distinto do fato gerador da taxa, é evidente que as correlatas bases de cálculo também não se podem promiscuir.
Enquanto a base de cálculo do imposto revela-se aspecto dimensível (ou quantitativo) de hipótese de incidência reveladora de capacidade contributiva (fato presuntivo de riqueza), a da taxa deve guardar relação com o custo da atividade estatal que por ela será remunerada. Daí a absoluta distinção a impedir que taxas tenham base de cálculo própria de imposto.
Nessa linha, a taxa judiciária, por exemplo, em caso de inventário, não pode ter por base de cálculo o valor do monte, que já o é em relação ao imposto estadual de transmissão causa mortis de bens (ADI nº 2.040, Maurício Corrêa).
Acontece de as bases de cálculo de algumas taxas guardarem identificação parcial com as de impostos. As taxas municipais de coleta domiciliar de lixo, por exemplo, costumam ser calculadas com base no tamanho dos imóveis; a base de cálculo do IPTU, do mesmo modo, tem como elemento de fixação fundamental a metragem do imóvel tributado (sobre a qual recai o coeficiente pertinente à área em que está o bem situado, a fim de se apurar o seu valor venal). O Supremo Tribunal Federal não vê ilicitude nessa similaridade de elementos, desde que seja apenas parcial. De fato, definiu a Corte Máxima, através de súmula vinculante, que é constitucional a adoção, no cálculo do valor de taxa, de um ou mais elementos da base de cálculo própria de determinado imposto, desde que não haja integral identidade entre uma base e outra (Súmula Vinculante nº 29).
Embora não seja necessária uma perfeita correlação entre o custo da atividade estatal e o valor da taxa respectiva, deve haver proporcionalidade mínima, cabendo ao Judiciário, se provocado, aferir a pertinência da cobrança, à luz do princípio constitucional que veda a tributação com efeito de confisco (art. 150, IV). O STF, por exemplo, invalidou taxa de licença de localização de estabelecimento calculada por certo Município com base no número de empregados da empresa (AgRg no RE 614.246, Dias Toffoli). De fato, o custo da atividade de polícia exercida pela municipalidade, nesse caso, não guarda relação alguma com tal elemento (número de empregados) eleito pelo legislador como base de cálculo do tributo. Em outra oportunnidade – e pela mesma razão – a Corte Suprema vetou base de cálculo de taxa de renovação anual de licença de estabelecimento que variava em razão da zona fiscal em que situado o último (AgR no RE 582340, Min. Teori Zavascki, DJ 18/08/2016). A localização do estabelecimento, por óbvio, carece de relevância na aferição do custo da atividade fiscalizatória estatal.
A competência para instituição de taxas é comum à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, dependendo sua fixação, em cada caso, da aferição das competências administrativas estabelecidas na Constituição (v.g. arts. 21; 23; 25, § 1º; e 30).
Taxa, espécie de tributo (receita pública derivada) e, portanto, submetida a rígido delineamento constitucional, não se confunde com preço público (tarifa), que traduz prestação contratual (receita pública originária) e que pode ser manejado com certa margem de liberdade pela Administração Pública. Esse critério de distinção foi consagrado pelo Supremo Tribunal Federal, em sua Súmula nº 545, segundo a qual taxas são compulsórias, e preços públicos, facultativos.
Assim, se o cidadão puder dispensar o serviço oferecido pelo Estado, satisfazendo a necessidade correlata por meios outros, a remuneração do serviço público consistirá em preço público, pressupondo adesão voluntária do particular à atividade estatal (manifestação de vontade, facultatividade). Todavia, se o Estado não permite a satisfação da necessidade individual de outra forma que não por meio do serviço que oferece, o caso é de compulsoriedade no pagamento da prestação correspondente, que assumirá feição tributária (taxa).
Doutrinariamente, afirma-se que as taxas remuneram serviços públicos propriamente ditos (atividade tipicamente estatal), como os que tutelam direitos fundamentais, do que seria exemplo o serviço judiciário, que tem por objetivo assegurar o livre acesso à jurisdição (CF, art. 5º, inciso XXXV). Por outro lado, os preços públicos remunerariam atividades não tipicamente estatais, como os serviços de apoio aos direitos sociais e econômicos (transporte público, correios etc.).
O Supremo Tribunal Federal definiu a contraprestação de serviços de fornecimento de água como tarifa (RE nº 201.630, Min.ª Ellen Gracie), o mesmo valendo para o fornecimento de energia elétrica (RE nº 96.590, Min. Rafel Mayer).
Sobre o pedágio, vale lembrar antiga lição doutrinária, segundo a qual para que configure prestação contratual (preço público), a estrada pedagiada deve apresentar condições especiais de tráfego (via expressa de alta velocidade, socorro médico e mecânico, sinalização e vigilância especiais etc.) e, o mais importante, deve haver alternativa para o usuário, ou seja, outra estrada que o conduza livremente ao mesmo destino, ainda que em condições menos vantajosas de tráfego. De outra forma, porque compulsório, não será o pedágio uma remuneração contratual pelo serviço especial, mas verdadeira taxa, submissa aos princípios constitucionais limitadores do poder de tributar.
A moderna jurisprudência do STF, todavia, tratou em caráter apriorístico do instituto, anotando: o pedágio cobrado pela efetiva utilização de rodovias conservadas pelo Poder Público, cuja cobrança está autorizada pelo inciso V, parte final, do art. 150 da Constituição de 1988, não tem natureza jurídica de taxa, mas sim de preço público, não estando a sua instituição, consequentemente, sujeita ao princípio da legalidade estrita (ADI 800, Min. Teori Zavascki, 2014).
Para melhor compreensão, dividem-se as taxas em:
1. Taxas de polícia
São aquelas cuja obrigação tem por fato gerador o exercício regular do poder de polícia em relação ao obrigado.
O poder de polícia é representado pela atividade estatal fundada na lei que visa a garantir a supremacia do interesse público sobre o privado, para que a propriedade e a liberdade sejam asseguradas a todos os integrantes da comunidade. No CTN, o poder de polícia vem conceituado no art. 78, segundo o qual considera-se poder de polícia a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.
As taxas de polícia, portanto, são exigidas de contribuintes que exerçam atividades sujeitas a controle, autorização, vigilância ou fiscalização estatal, em prol do interesse coletivo. São exemplos de taxas de polícia, no Município do Rio de Janeiro, a Taxa de Obras em Áreas Particulares, a Taxa de Uso de Área Pública, a Taxa de Autorização de Publicidade, a Taxa de Licença para Estabelecimento e a Taxa de Fiscalização de Cemitérios (v. Lei Municipal nº 691/1984).
Somente autoriza a cobrança de taxa de polícia o exercício regular do poder de polícia, vale dizer, aquele desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder (CTN, art. 78, parágrafo único).
A taxa de polícia pode ser lançada periodicamente, por períodos certos de tempo, ainda que o obrigado não tenha sido fiscalizado efetivamente, bastando a comprovação, pelo ente público, da existência de um corpo de agentes públicos desempenhando periodicamente atribuições controladoras e fiscalizatórias, ainda que por amostragem, em relação à atividade desempenhada pelo contribuinte.
Em obediência a antiga jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual a taxa de localização e funcionamento de estabelecimentos (popularizada como “taxa de alvará”) pode ser cobrada anualmente pelos municípios (RE nº 276.564, Min. Ilmar Galvão), o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp nº 261.571, cancelou sua Súmula nº 157, editada em sentido contrário. De fato, em julgado de 2010 a Corte Máxima reassentou que é constitucional taxa de renovação de funcionamento e localização municipal, desde que efetivo o exercício do poder de polícia, demonstrado pela existência de órgão e estrutura competentes para o respectivo exercício (RE 588322, Pleno, Min. Gilmar Mendes).
2. Taxas de serviço
São aquelas cuja obrigação tem por fato gerador a utilização efetiva ou potencial de serviço público específico e divisível por parte do obrigado.
Serviço público é a atividade desempenhada pelo Estado – ou por quem receber do mesmo tal incumbência – para satisfazer necessidades coletivas, submetida, ainda que parcialmente, a regramento de direito público.
Se a atividade exercida pelo Estado não tem por objetivo satisfazer necessidades coletivas, apenas necessidade próprias dele, Estado, não pode ser encarada como serviço público, para fins de imposição de taxa. Já decidiu o STF que a emissão de guia de recolhimento de tributos é de interesse exclusivo da Administração, sendo mero instrumento de arrecadação, não envolvendo a prestação de um serviço público ao contribuinte, revelando-se, assim, inconstitucional a instituição e a cobrança de taxaspor emissão ou remessa de carnês/guias de recolhimento de tributos (RE 789218, Min. Dias Toffoli, 2014).
Serviços privados, por óbvio, não rendem ensejo à cobrança de taxas.
Não basta, todavia, que o serviço seja caracterizado como público para que possa o tributo incidir. É preciso, mais, tratar-se de serviço “específico e divisível”. Na linha estabelecida no CTN, art. 79, incisos II e III, são específicos e divisíveis os serviços públicos que possam ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de unidade, ou de necessidades públicas e que sejam suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um dos seus usuários. São os chamados serviços de fruição uti singuli, vale dizer, que podem ser atribuídos a usuários diferenciados por meio de unidades autônomas, permitindo-se, assim, a mensuração da quantidade de serviço efetivamente desempenhada pelo Poder Público em cada caso. Exemplificativamente, o Supremo Tribunal Federal, ao editar a Súmula Vinculante nº 19, definiu que a prestação dos serviços públicos de coleta, remoção e tratamento ou destinação de lixo ou resíduos provenientes de imóveis pode ensejar a cobrança de taxa, por serem tais serviços específicos e divisíveis.
Não podem ser remunerados com receita de taxa os serviços de fruição uti universi, que são prestados de forma genérica a grupamento indeterminado de pessoas, sendo impossível identificar os seus usuários. São genéricos e indivisíveis serviços como os de iluminação pública e limpeza pública, razão pela qual a correlata prestação é insuscetível de gerar ao beneficiário a obrigação de recolher taxas. Por isso, são desempenhados pela Administração de acordo com as prioridades eleitas e custeados com a receita geral de que ela disponha. A atividade de segurança pública, outro exemplo, representa serviço público geral e indivisível, insuscetível, assim, de ser remunerado por taxa (STF, RE 964541, Min. Roberto Barroso, 2017).
O serviço público específico e divisível autorizará a incidência da taxa prevista em lei quando, no caso de serviço facultativo, seja prestado efetivamente ao contribuinte. Nas hipóteses em que seja de utilização compulsória, entretanto, a simples colocação do serviço à disposição do usuário, mediante atividade em efetivo funcionamento, autorizará a incidência tributária. É o que preceitua o CTN, em seu art. 79, inciso I, a e b.
Assim, por exemplo, o serviço judiciário, de utilização facultativa – pois ninguém está compelido a invocar a tutela jurisidicional – só autoriza a cobrança de taxa quando seja efetivamente usufruído pelo obrigado. Já o serviço de coleta domiciliar de lixo, de utilização compulsória – até mesmo por razões sanitárias –, justifica a incidência da taxa quando em efetivo funcionamento, ainda que o obrigado mantenha o seu imóvel fechado e não “produzindo” lixo. É o que se chama “utilização potencial” do serviço.
Olá Professor! Neste capítulo ficou faltando, smj, mencionar o julgado na Adi 800/RS, em que ficou consolidada a atual posiçao do STF no sentido de que o pedágio “não tem natureza jurídica de taxa, mas sim de preço publico, não estando a sua instituição, consequentemente, sujeita ao princípio da legalidade estrita”. Abraço!
De fato, Carlos. Estava faltando atualizar a posição do STF. Feito o update no texto.
Obrigado!